Padre Idamor da Mota: Teologia do Corpo - A Solidão Original (Parte III)

Padre Idamor

Teologia do Corpo – A Solidão Original

Vimos no último artigo que o Papa toma como ponto de partida de suas catequeses o “princípio” da criação, conforme a narração do livro do Gênesis. A partir de agora vamos ver seis conceitos fundamentais que explicam a condição humana no “princípio”. São eles: a solidão original, a unidade original, a nudez original, o significado esponsal do corpo, a inocência original, e o ciclo “conhecimento-procriação”. Vamos refletir hoje sobre o primeiro dos seis conceitos fundamentais das catequeses do Papa João Paulo II sobre o amor humano: a solidão original.

Vamos partir da seguinte passagem do Gênesis: “E o Senhor Deus disse: ‘Não é bom que o homem esteja só. Vou fazer-lhe uma auxiliar que lhe corresponda’” (Gen 2,18). É bom lembrar que na narrativa do Gênesis Deus criou o homem e o chamou de Adão – aquele que foi criado do “pó da terra” – e só depois da criação da mulher é que ele é chamado de homem (varão) no sentido estrito da palavra. No hebraico o homem é chamado de “Ish” e a mulher “Ishá”.

Quando Deus diz que “não é bom que o homem esteja só”, podemos entender essa solidão do homem em dois sentidos: o primeiro deriva da própria condição do homem enquanto criatura, ou seja, da sua própria humanidade; o segundo deriva do fato da relação entre homem-mulher que é evidente nessa narrativa. Para entendermos melhor esses dois sentidos é preciso lermos o versículos seguintes: “Então o Senhor Deus formou da terra todos os animais selvagens e todas as aves do céu, e apresentou-os ao homem para ver como os chamaria; cada ser vivo teria o nome que o homem lhe desse. E o homem deu nome a todos os animais domésticos, a todas as aves do céu e a todos os animais selvagens, mas não encontrou uma auxiliar que lhe correspondesse” (Gen 2,19-20).

Quando o homem nomeia todos os animais ele percebe que é diferente de todas as criaturas que o rodeiam. Pela primeira vez o homem toma consciência que ele é corporalmente diferente de todas as espécies vivas, e mais do que isso, ele é diferente em inteligência e espírito, pois o mesmo é capaz de dar nome às criaturas. De certa forma o homem percebe que é superior a todas as criaturas, ou seja, ele não pode se colocar em pé de igualdade a nenhuma das espécies vivas sobre a terra. Daí, entendemos que o homem encontra-se, desde o primeiro momento de sua existência, diante de Deus e em busca de sua própria “identidade”. Essa identidade só é adquirida quando o homem percebe diante dele alguém que lhe é semelhante a si mesmo: a mulher. Mas também essa identidade não é esgotada somente na criação da mulher, porque a solidão original continua mesmo com a presença do sexo oposto. Por quê? Porque a solidão original do homem (entenda-se homem ou mulher) está baseada no fato que ele é essencialmente constituído em uma relação com o próprio Deus. Em outras palavras, o homem é criado com uma abertura a Deus, ele é capaz de Deus, ele precisa de Deus para preencher a solidão que habita dentro de si.

Com base nisso vamos olhar para a nossa realidade: dois pontos a serem refletidos aqui. Todos nós temos uma dimensão transcendente que nos remete a Deus e que por isso precisa ser preenchida por Deus. Daí a frase de Santo Agostinho “Fizeste-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em ti”. Por outro lado, enquanto seres sexuados, podemos afirmar que ambos, homem e mulher, precisam um do outro para afirmarem suas identidades masculina e feminina. O homem precisa da figura da mulher para ser autenticamente masculino, a mulher precisa da figura do homem para ser autenticamente feminina. Daí, por exemplo, podemos entender como é fundamental o exercício correto da presença do pai e da mãe para a formação das personalidades dos filhos. Quando pai e mãe assumem seus papéis dentro do lar com amor e dedicação na educação dos filhos, tentando reduzir ao máximo as lacunas desse processo educativo, o resultado não pode ser outro senão filhos com uma identidade bem definida em relação à sua sexualidade, abertos à realidade do amor e abertos àquele que é o fundamento do amor: Deus. O contrário disso é o que vemos multiplicar-se em nossa sociedade: famílias desestruturadas e destruídas que não mais transmitem essa identidade para os filhos, e filhos que não sabem mais assumir uma identidade do que é ser masculino e feminino de acordo com o projeto original de Deus.

 

Padre Idamor da Mota Junior

Diretor do Centro de Cultura e Formação Cristã - CCFC / Diretor da Escola Diaconal Santo Efrém - EDSE / Diretor das Obras Sociais da Arquidiocese de Belém - OSAB

 

Para fazer download desse arquivo em formato PDF clique aqui.