Padre Idamor da Mota: Teologia do Corpo – O Significado Esponsal do Corpo (Parte VI)

Padre Idamor

Teologia do Corpo – O Significado Esponsal do Corpo

No artigo passado falávamos que o ser humano, e particularmente a sua sexualidade, impressa em seu corpo, é expressão da bondade de Deus. E “Deus contemplou sua obra e viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31). Em outras palavras, o ser humano participa da bondade de Deus porque está inserido no plano de amor que o Criador traçou para ele; e esse plano de amor divino está inscrito no próprio corpo. Por causa dessa bondade do Criador expressa em nosso corpo, trazemos como consequência, um “dom” original e fundamental inscrito no mesmo.

Para entendermos esse conceito de “dom” original é preciso entendermos que a santidade de Deus é o seu eterno mistério de amor existente entre o Pai, Filho e Espírito Santo. Esse amor existente na Trindade Santa é um amor perfeito que é totalmente doado entre eles, formando assim um intercâmbio único de amor. Assim, entendemos que o amor é essencialmente “dom”, “doação”, “entrega”. Analogamente, o homem, enquanto imagem e semelhança de Deus, traz inscrito em si mesmo, e precisamente no seu corpo, o dom do amor de Deus. O Papa João Paulo II recorda em suas catequeses uma passagem do Concílio Vaticano II que nos ajuda a entender essa afirmação: “O homem só pode descobrir plenamente seu verdadeiro eu na doação sincera de si mesmo” (GS, 24). Em outras palavras, só conseguimos entender quem somos através da expressão do dom de si mesmos, ou seja, amando como Deus ama. Daí o mandamento de Cristo: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15,12). E também as palavras da última ceia: “Isto é o meu corpo, que é dado por vós” (Lc 22,19). Aqui vemos a grandeza do amor espiritual pelo outro, e também vemos como o amor se expressa e se realiza no próprio corpo. Cristo nos ama tanto ao ponto de oferecer o seu próprio corpo na cruz e na espécie Eucarística. Da mesma maneira, Deus gravou em nossos corpos – em nossa sexualidade – o chamado ao amor divino.

A esse “amor-doação” que experimentamos nos nossos próprios corpos o Papa chama de “significado esponsal do corpo” – também podemos chamá-lo de “amor nupcial”, “amor matrimonial” ou “amor conjugal”. O significado esponsal do corpo é, portanto, a sua “capacidade de expressar o amor: precisamente aquele amor no qual a pessoa se torna um dom e – através desse dom – realiza o verdadeiro significado de seu ser e de sua existência” (TdC 15). Daí, entendermos que o corpo, manifestado em sua masculinidade ou feminilidade, é uma testemunha clara de que a criação é essencialmente um dom de Deus, e portanto uma testemunha de que o Amor é a fonte da qual brota esse mesmo “doar-se” (cf. TdC 14).

Por isso, homem e mulher são chamados a manifestar o amor divino nessa dimensão espiritual, percebendo que seus corpos são expressão desse mesmo amor e, portanto, devem acolher um ao outro como um verdadeiro dom de Deus. Sabemos que depois do pecado original o amor inscrito por Deus sofreu muitas distorções, mas nem por isso homem e mulher perderam o significado esponsal do próprio corpo. Mesmo que esse significado sofra e venha a sofrer muitas distorções, ele sempre existirá e permanecerá como o nível mais profundo no ser humano, que precisa ser revelado e manifestado em toda a sua verdade e pureza, como sinal da “imagem de Deus” inscrita no corpo.

Partindo desse conceito, se alguém está a procura do sentido da sua própria vida, esse sentido pode ser encontrado na pessoa mesma, ou seja, no próprio corpo, mais precisamente na sua sexualidade. Isso porque nossa sexualidade em si mesma expressa o amor de Deus impresso em nós, e é só através do amor simples e verdadeiro, enquanto sincera doação de si mesmo, é que o ser humano realiza-se dentro do plano de Deus. O simples fato de sermos diferenciados sexualmente nos nossos corpos evidencia o plano de Deus onde homem e mulher são feitos para serem um dom recíproco. E mais ainda, a mútua doação de amor entre homem e mulher gera um “terceiro”, ou seja, leva à geração de uma nova vida, confirmando a orientação de Deus que diz “sede fecundos e multiplicai-vos” (Gn 1,28). Mas isso não é mera imposição de Deus para procriação da espécie. Isso significa que a paternidade e maternidade “coroam” plenamente o mistério da sexualidade humana. De acordo com o Papa, nessa perspectiva homem e mulher realizam sua vocação para amar à imagem de Deus e assim “realizar o sentido próprio do nosso ser e da nossa existência”.

Em resumo, o amor esponsal é sempre fecundo, seja a nível espiritual ou conjugal. E por ser fecundo, nenhum casal que assuma verdadeiramente um ao outro como autêntico dom de Deus, jamais pode recusar ou impedir ou colocar barreiras para que essa fecundidade seja realizada através da geração de filhos, porque os filhos são os maiores dons recebidos da mútua doação de um ao outro. Os filhos são dons de Deus, um verdadeiro presente de Deus, e como tal não podem ser recusados jamais. Se usarmos a lógica humana, pensemos como se sentiria alguém que quer dar um presente, mas o receptor desse presente reluta em aceitá-lo ou até mesmo o rejeita. Assim acontece com aqueles que recusam cada vez mais aceitar o dom de Deus em seus matrimônios.


Padre Idamor da Mota Junior

Diretor do Centro de Cultura e Formação Cristã - CCFC / Diretor da Escola Diaconal Santo Efrém - EDSE / Diretor das Obras Sociais da Arquidiocese de Belém - OSAB