CCFC: nas trilhas da fé e da razão, de acordo com a grande tradição católica (PARTE I)
POR ONDE CAMINHAR
Em 2006 tive a satisfação de ser convidado e estimulado pelo diretor do CCFC, Padre Fabrizio Meroni, para colaborar ministrando algumas disciplinas aos candidatos ao diaconato permanente, desde então minha colaboração foi sendo, paulatinamente, mais solicitada: ministrar algumas disciplinas no curso de teologia, ministrar o curso sobre o estudo do “Catecismo da Igreja Católica: Razões e fundamentos da fé”, ministrar o curso “Matrimônio uma lição de amor”. Sempre considerei tais convites como convocação, logo, como missão. Foi nesta perspectiva que recebi o chamamento em manifestar minha impressão testemunhal sobre a missão do CCFC. Logo fui impelido a pensar e rezar, ou rezar e pensar? Não sei, realmente não lembro, mas tenho certeza absoluta que ambas as “coisas” foram feitas. Entre a oração e a reflexão surgiu uma inspiração: realizar uma leitura do CCFC pelo prisma da fé e da razão.
Agora era só escrever, tudo estaria equacionado em pouco tempo, mas algo ainda faltava e eu não tinha a mínima noção do que era. Tomei uma decisão: voltar a pensar e a rezar. O que foi feito – creio eu – não exatamente nessa ordem. Eis que surgiu a segunda inspiração: a fé e a razão são vias. O sentido de todo caminho está em atingir uma meta, isso quer dizer que caminho algum tem sentido em si mesmo. Se assim fosse implodiriam. Se assim fosse, fé e razão estariam – cada uma – devorando a si mesmas. Seriam como serpentes – cada uma – procurando devorar-se engolindo a própria cauda. A metáfora é certamente ridícula, mas apropriada, pois é o que acontece quando fé e razão se divorciam e se isolam ridiculamente. Absolutizam-se e entram num processo reducionista. Na busca de progredir, regridem; no afã de evoluir, involuem. Este processo é muito comum na contemporaneidade e teve início com advento da modernidade e foi acentuado com o Iluminismo. É justamente a carência de meta, de sentido que faz com que fé e razão tornem-se caminhos para lugar algum. Qual é a meta? A verdade. Sem a verdade, fé e razão se perdem e levam o homem à perdição. É com essa consciência que será realizado o meu testemunho acerca do CCFC, com essa consciência ficou mais claro por onde caminhar. Iniciemos procurando entender de onde vem a raiz – digamos – “vocacional” do CCFC.
FÉ E RAZÃO NA IGREJA
O CCFC é uma instituição, graças a Deus, pertencente à Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Nesse sentido o CCFC encarna o interesse da Igreja, desde os seus primórdios, em dialogar com a cultura e fomentar evangelicamente cultura.
A Igreja nasce em um meio cultural judaico-helênico, alguns autores afirmavam que a Lei teria preparado Israel para a vinda do Messias, e a Filosofia tivera essa função entre os pagãos. Nesse contexto não foram poucos os desafios: o surgimento de muitas heresias proporcionou o desabrochar de muitas crises internas, as diversas ofensivas de correntes filosóficas helênicas, perseguições que o Império Romano imprimiu à Igreja nascente e também a oposição por parte de muitos de Israel. É nessa conjuntura que o Evangelho é pregado no interior do império romano e ao expandir-se se depara com a Filosofia, justamente quando a Boa Nova é levada aos povos não judeus.
O Cristianismo principia e permanece como religião que oferece a salvação ao homem desejando deste a aceitação redentora. A Filosofia brota da razão humana objetivando proporcionar reflexão e interpretação racional do mundo, da natureza, da sociedade, mas também do próprio homem e do sentido da vida, da existência entendida em sua totalidade (material, intelectiva, espiritual).
Uma das características da pregação católica desde sua origem é a exigência de uma adesão radical e exclusiva à Pessoa de Jesus Cristo, logo, a proposta cristã apresenta-se como única escolha possível requerendo da pessoa convertida adesão total. O Cristianismo apresenta-se como a grande novidade e os dois aspectos dessa novidade estão na concepção de um Deus Uno e Trino, e na consciência de Sua presença agindo na história. Isso significa que Deus se faz presente e atuante na história fazendo nova todas as coisas, inclusive a vida humana chamada à plenitude da Vida. Obviamente isso tem reflexos imperativos na existência humana que deve ser plena de serviço, doação, solidariedade, fraternidade e comunhão. Diante disso, o Cristianismo, isto é, a Igreja nascente acaba indo de encontro ao meio cultural que o cercava (cf. MONDONI, 2001, p. 44). A adesão total à proposta cristã requeria certas respostas, não somente de cunho religioso, mas também social, cultural, assim como respostas de natureza filosófica.
Já no século II cresce o interesse por harmonizar Cristianismo e filosofia. Em razão do desenvolvimento das comunidades e da expansão da fé cristã, aumentava a quantidade de pessoas cultas convertidas o que tornava presente a necessidade de sistematizar e defender a fé, de maneira que o testemunho dos mártires – sempre fundamental e indispensável – não se fazia suficiente. Nesse cenário histórico e cultural destacam-se os “Padre Apologistas”: foram “escritores cristãos que assumiram a tarefa de defender o Cristianismo contra os ataques dos seus adversários, num esforço de munir a fé de argumentos racionais” (ZILLES, 1996, p.36). Os apologistas fizeram uso da reflexão filosófica para, de um lado, defender a fé cristã das heresias e, de outro, procuravam esclarecer e fundamentar racionalmente a Doutrina Católica.
Um dos primeiros a erigir uma argumentação que visava harmonizar Cristianismo e Filosofia foi São Justino (100 - 165). Segundo São Justino, através da filosofia os pagãos chegaram a muitas noções verdadeiras acerca de Deus, portanto se conclui que o pensamento filosófico racional não deve ser rejeitado, mas ao contrário valorizado e aproveitado. São Justino faz uso da noção estóica de logos. Diz Justino que o logos apregoado pelas filosofias pagãs é em verdade a Razão Divina que se fez homem em Jesus mediante a Encarnação. O logos (razão) humano colaborou para que o homem atingisse certas verdades que ainda não haviam sido plenamente reveladas, assim o logos humano não é contrário ao Logos Divino. O homem pela sua razão natural participa da Razão Divina, é o que nos explica Jacques Liébaert (2000, p. 48) ao comentar o pensamento de São Justino: “O Logos está e sempre esteve presente em todos os homens, pois todo ser humano, já por sua razão participa do Logos divino e tem a capacidade de viver segundo o Logos”. Todos os homens, nesse sentido têm em si a centelha da verdade mesmo antes da Verdade ter se revelado plenamente, em pessoa: Jesus.
(ONTINUAÇÃO...PARTE II)
Ricardino Lassadier Rodrigues de Sousa é Professor, Graduado (Bacharel e Licenciado em Filosofia), Especialista em Filosofia (Epistemologia das Ciências Humanas), Especialista em Teologia (Teologia e Realidade com ênfase em Bioética). Colaborador do CCFC desde 2006.