Pedro e Francisco
A imagem da construção ocorre muitas vezes na Sagrada Escritura, apontando, ora para a dignidade dos edifícios, ora para o material utilizado ou as pessoas envolvidas nas edificações. São comparações nas quais podem ser como que dependuradas as várias atitudes diante do mistério de Deus e a aventura da fé, a que todos são chamados. O Apóstolo São Pedro absorveu de forma interessante esta imagem: “Como pedras vivas, formai um edifício espiritual, um sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus, por Jesus Cristo. Com efeito, nas Escrituras se lê: ‘Eis que ponho em Sião uma pedra angular, escolhida, honrosa; quem nela confiar, não será confundido’. De vós, que credes, ela é a honra! Mas para os que não creem, ‘a pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular’ e ‘pedra de tropeço, pedra que faz cair’: nela tropeçam os que não acolhem a Palavra; esse é o destino deles. Mas vós sois a gente escolhida, o sacerdócio régio, a nação santa, o povo que ele adquiriu, a fim de que proclameis os grandes feitos daquele que vos chamou das trevas para a sua luz maravilhosa. Vós sois aqueles que antes não eram povo, agora, porém, são povo de Deus; os que não eram objeto de misericórdia, agora, porém, alcançaram misericórdia” (1 Pd 2, 5-10; Cf. Sl 117, 22; Cf. Is 28,16).
Ele mesmo teve que se confrontar com aquela pedra angular da construção, sem a qual tudo vem abaixo. E Jesus Cristo, que é a porta necessária (Cf. Jo 10, 7-9), veio ao seu encontro, talhando pouco a pouco aquele que veio a ser também chamado com o nome Pedro, que vem de Pedra. Na região de Cesareia de Filipe, como nos narra o Evangelista São Mateus (Cf. Mt 6, 13-20), aconteceu um diálogo fundamental na compreensão da vocação de Pedro. Até aquela altura da narrativa evangélica, eram muitas as multidões que se acercavam de Jesus. Delas emerge, pouco a pouco, o grupo dos discípulos e entre eles os doze, que foram depois chamados apóstolos. É um processo de formação, com o qual o Senhor prepara aqueles que deveriam continuar o anúncio do Reino de Deus e a constituição da Igreja. Chega um momento decisivo, os discípulos próximos de Jesus, uma pergunta sobre a opinião corrente a seu respeito, seguida da mais importante questão para qualquer discípulo de todos os tempos: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt 16, 15). É a virada radical para aqueles homens simples! O dono da resposta e da responsabilidade se chama Simão: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16, 16).
Simão era pescador, homem de um temperamento rico de defeitos e qualidades, generosidade e insegurança. Tudo o que era humano nele estava presente. Veio do mundo do trabalho, tinha família e sogra, barco e rede. Certamente não lhe faltava nada no horizonte que se abria em torno do Lago de Nazaré, Mar da Galileia. Foi cultivado pelo Senhor Jesus com a paciência que só Deus tem, e Ele é Deus! Agora, aquele que humanamente talvez não fosse o melhor de todos, dá a resposta da fé, conduzido interiormente pelo Pai que está no Céu. E o Senhor muda seu nome. Simão se torna Pedro, o pescador de Peixes se transforma em Pescador de Homens (Cf. Lc 5, 1-11). Sobre a sua profissão de fé há de se edificar a Igreja. Ao Pescador são entregues as chaves do Reino dos Céus, donde a devoção cultivada àquele sempre é visto de plantão à porta do Céu! Até atribuem a ele o controle do clima!
São atribuições desproporcionais à pequenez do homem simples da Galileia: “Tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16, 19). O Céu se compromete com a Terra, para agradável surpresa da humanidade ansiosa pela eternidade! O nó que ata os homens e mulheres aos seus próprios defeitos e pecados pode ser desfeito pelo ministério do perdão e da misericórdia, à disposição de quem se abre à graça! Generosidade eterna que se põe à disposição no dia a dia dos cristãos.
Após a confissão de fé proferida por Pedro, em nome de todo o grupo de discípulos, o processo formativo continua. Simão Pedro deverá entender, a duras penas, a realidade da Cruz, cujo anúncio escandaliza! “Jesus começou a mostrar aos discípulos que era necessário ele ir a Jerusalém, sofrer muito da parte dos anciãos, sumos sacerdotes e escribas, ser morto e, no terceiro dia, ressuscitar. Então Pedro o chamou de lado e começou a censurá-lo: ‘Deus não permita tal coisa, Senhor! Que isto nunca te aconteça!’ Jesus, porém, voltou-se para Pedro e disse: ‘Vai para trás de mim, satanás! Tu estás sendo para mim uma pedra de tropeço, pois não tens em mente as coisas de Deus, e sim, as dos homens!’” (Mt 16, 21-23), precisou ouvir do Senhor palavras exigentes, marcadas com o timbre da verdade, que o conduziu ao cumprimento da exigente missão de ser “Pedra”: ‘“Simão, Simão! Satanás pediu permissão para peneirar-vos, como se faz com o trigo. Eu, porém, orei por ti, para que tua fé não desfaleça. E tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos’. Simão disse: ‘Senhor, eu estou pronto para ir contigo até mesmo à prisão e à morte!’ Jesus, porém, respondeu: ‘Pedro, eu te digo que hoje, antes que o galo cante, três vezes negarás que me conheces’” (Lc 22, 31-34).
Passados os anos, veio efetivamente a confirmar os irmãos com o derramamento de seu sangue, na cidade de Roma. Seu ministério permanece nos sucessores que vieram. O ofício pastoral de Pedro se realiza no Papa, Bispo de Roma, princípio e fundamento da unidade da Igreja (Cf. Catecismo da Igreja Católica, 880-882). Por um costume secular, que liga nome e missão, hoje o sucessor de Pedro se chama Francisco. Jorge Maria Bergoglio se fez chamar “Francisco”. No nome escolhido para não se esquecer dos pobres, encontrou o eixo de seu ministério. Realiza-se nele o que um apóstolo, antes chamado Saulo e que veio a ser Paulo, afirmou de forma tão bonita: “O que nos recomendaram foi somente que nos lembrássemos dos pobres. E isso procurei fazer sempre, com toda a solicitude” (Gl 2, 10).
O pontificado do Papa Francisco, homem chamado a ser “ponte” para unir as pessoas, tem se caracterizado pela clareza de rumos, tão necessária ao nosso tempo. Gestos surpreendentes, atenção aos mais sofredores, palavras fortes e cheias de ternura, com as quais a Igreja é impulsionada a sair de si mesma, com um olhar missionário e evangelizador, aliado a uma notável firmeza doutrinal. Não há situações humanas em qualquer parte do mundo que fiquem sem um sinal de presença da Igreja, a partir de iniciativa sua. A cada momento as pessoas se encantam com suas atitudes. Sabe ser profundamente humano, diz claramente ser homem limitado como todos os outros, pergunta, escuta com atenção, quer ajudar, olha nos olhos das pessoas, é gente! Nos últimos dias, sua terceira grande viagem missionária internacional, desta feita à Coréia do Sul, foi mais um testemunho eloquente, para que todos os cristãos, junto com o Papa, assumam a magnífica tarefa do Pedro Pescador de homens.
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará